por Fernando Rodrigues*

O ano de 2017 marca o centenário de uma das mais importantes greves de nossa História, com a adesão da quase totalidade dos trabalhadores, cerca de 50 mil: a Greve Geral de 1917. O que é mais notório nesse movimento é a incapacidade do governo de então, presidido por Venceslau Brás, de dialogar e negociar com os manifestantes. Mais uma vez, prevaleceu a violência como linguagem para tratar com os desvalidos da jovem república brasileira.

O país era governado pelas oligarquias, elites fundiárias estaduais, sobretudo a de cafeicultores paulistas e mineiros, que usavam o Estado como ferramenta privada de obtenção de privilégios para si e seus apaniguados. Mas se enganam aqueles que argumentam ser o povo brasileiro composto de um bando de ignorantes analfabetos e alienados, manobrados como massa acrítica, pela imprensa.

São muito numerosas as rebeliões, desde os tempos coloniais, que contestam a ordem social e política existente no país. Na República Velha (1889 – 1930) não foi diferente. Os sertanejos pobres castigados pela exclusão da posse da terra foram literalmente para guerra em duas ocasiões: em Canudos, na Bahia em 1897, e em Santa Catarina, na região do Contestado, onde houve o maior massacre de brasileiros da história, cerca de 30 mil mortos entre 1912 e 1916.

No espaço das cidades também houve rebeldia. Em 1904, os cariocas se revoltaram contra uma reforma urbana criminosa que o prefeito Pereira Passos fez na capital da república, na qual cortiços e outras habitações precárias do centro do Rio de Janeiro foram demolidos para cederem espaço para amplas e largas avenidas, onde não cabiam os pobres desalojados pela destruição de suas casas.

Não foi à toa que na década de 1910, o governo federal articulou a criação pelas Forças Públicas Estaduais, as atuais Polícias Militares, do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), para reprimir aqueles que se opusessem à ordem exploratória da política do Café com Leite, um imenso esquema de corrupção e troca de influências que dominava o Brasil de então.

Foi o DOPS, aliás, que reprimiu, duramente, a Greve Geral de 1917. Esse foi um movimento resultante da organização da classe operária brasileira. Mas para haver operário precisa haver indústrias, concorda? Naquele momento a economia brasileira passava por um surto de desenvolvimento industrial, devido às dificuldades de realizar importações. A Primeira Guerra Mundial, em curso desde 1914, praticamente impedia o transporte marítimo, prejudicado pela atuação de submarinos alemães, que afundavam todo e qualquer navio que transitasse pelo Mediterrâneo e Atlântico Norte, locais por onde vinham nossas importações. O jeito foi fabricar, por aqui mesmo, alguns desses produtos que seriam importados.

Entretanto, não bastam operários para haver classe operária. Para que este grupo social tenha unidade e poder de mobilização, seus indivíduos precisam ter consciência de pertencimento a uma classe social nova, necessitam acreditar que estão no “mesmo barco”, cujo casco está furado e afundando. Aí ocorre mobilização.

O elemento fundamental da união da classe operária brasileira foi ausência dos direitos trabalhistas. Os trabalhadores se uniram para reivindicar aumento salarial, descanso semanal remunerado, melhores condições de vida e maior participação política, direitos conquistados apenas em parte, duas décadas mais tarde (1930-1940), quando o presidente já era Getúlio Vargas.

Do ponto de vista ideológico, embora a Greve Geral tenha sido influenciada pelas notícias que chegavam da Rússia, onde ocorria a revolução comunista que lançaria os bolcheviques, liderados por Lênin, ao poder, a militância mais forte, responsável por agregar milhares de trabalhadores brasileiros em prol da causa operária, foi o anarquismo. Trazida da Europa por imigrantes italianos e espanhóis, essa ideologia era muito disseminada nas nascentes organizações sindicais brasileiras, que assumiram a denominação anarcossindicalismo.

Em linhas gerais, essa ideologia propõe a imediata destruição do capitalismo, para criar uma sociedade livre, de autogestão, na qual não haja Estado, tampouco propriedade privada, em que prevaleça a igualdade entre as pessoas e não haja nenhuma forma de poder, nem do dinheiro, muito menos de autoridades de governo. É nesse quesito que os anarquistas se diferenciam dos comunistas, por acreditarem que qualquer pessoa, de qualquer grupo social que chegue ao poder, pode se corromper e colocar o país numa tirania, ainda que seja um Estado socialista, dirigido por um camponês, ou operário. 

*Fernando Rodrigues é professor de História do Cursinho da Poli



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