por Danilo Safi
A febre amarela – FA – é uma doença causada por um vírus do grupo dos arbovírus (seres que possuem parte de seu ciclo de vida dentro do corpo dos artrópodes e por isso são transmitidos por eles) e do gênero Flavivirus (organismos que possuem como material genético uma fita única de RNA).
Os principais sintomas da FA são febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias. A forma mais grave da doença, que pode levar à morte, pode causar insuficiências hepática e renal, icterícia (olhos e pele amarelados), manifestações hemorrágicas e cansaço intenso.
Existem dois tipos de FA, a silvestre e a urbana, sendo ambas a mesma doença, se diferenciando apenas nos mosquitos que realizam essa transmissão. A forma silvestre é transmitida pelos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, e a forma urbana pelo nosso conhecido Aedes aegypti, também transmissor da dengue, zika e chikungunya.
No Brasil se manifesta apenas a forma silvestre da doença, pois a forma urbana está erradicada desde 1942.
A maneira mais eficiente de se prevenir essa doença é por meio da vacinação, que utiliza formas virais vivas, pois estão apenas atenuadas para estimularem nosso sistema imunológico a produzir anticorpos.
Neste verão, nosso país vive um surto de FA, tendo o último informe divulgado pelo Ministério da Saúde, contabilizado a ocorrência de 1.048 casos notificados (sendo 777 investigados, 195 confirmados e 76 descartados) com a ocorrência de 163 mortes (com 91 em investigação, 69 confirmadas e 3 descartadas). Esse é o pior surto de casos de FA silvestre vivido pelo país. Os estados mais afetados são Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.
Há uma relação muito forte entre esse surto que acontece hoje e a tragédia ambiental ocorrida no município de Mariana (MG) em novembro de 2015, quando uma barragem com rejeitos de mineração de ferro se rompeu e espalhou lama avermelhada em um volume correspondente a 25 mil piscinas olímpicas. Além de deixar 17 pessoas mortas e destruir 82% do distrito de Bento Rodrigues, a lama atingiu o Rio Doce e se espalhou para dezenas de municípios – cerca de 11 toneladas de peixes morreram.
Os argumentos que sustentam essa relação se devem ao fato de que a FA não pode ser transmitida de uma pessoa a outra, somente por meio do mosquito. Por isso, quanto maior a população do vetor, maior a incidência da doença.
Existem muitas espécies de peixes que são larvófagos, isto é, se alimentam das larvas provenientes dos ovos que os mosquitos depositam na água no seu ciclo reprodutivo. Não somente peixes foram dizimados no desastre ambiental de Mariana, mas também muitos anfíbios que se alimentam do próprio mosquito desapareceram.
Além disso, as mudanças ambientais provocam alterações na saúde dos animais, que passam a ser mais vulneráveis a doenças, se tornando reservatórios de vírus. Esse é o caso de macacos que, contaminados com o vírus da FA, são picados pelos mosquitos, que, por sua vez, contaminam os seres humanos com a forma silvestre da doença.
A destruição das matas, em função do vazamento de lama, aproxima os animais de grupos de populações humanas, o que aumenta ainda mais o número de casos da doença.
Como pudemos ver, a trama de relações existentes em um ecossistema é tão grande que perturbações ambientais causadas pelo ser humano podem se reverter em problemas mais graves ainda. Tudo isso mostra uma conexão entre situações que aparentemente não estavam relacionadas.
O ramo da Biologia que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o ambiente é a Ecologia. Casos como o surto de FA mostram que cada vez mais os estudos nessa área são necessários para que possamos compreender essas relações e agirmos rapidamente para minimizarmos os problemas resultantes da nossa má relação com o meio.
*Danilo Safi é professor de Biologia do Cursinho da Poli