por Rafael Lancellote*
No artigo dessa semana falaremos sobre um tema recorrente nos vestibulares e muito relevante, além de necessário para compreender a situação atual do país, que é a Filosofia Política.
A Filosofia Política é o ramo da Filosofia preocupado com as questões que envolvem a convivência do ser humano e dos grupos humanos. Na prática é o estudo de questões fundamentais que envolvem o Estado, a política, o governo, a justiça, a liberdade e o pluralismo.
No seu amplo alcance de questões destacam-se algumas como os princípios de justificação do poder e do governo, este último em sua origem, natureza e propósito; e as obrigações dos membros constituintes de uma sociedade. Pode-se dizer que problema central da filosofia política é como implementar ou limitar o poder público para manter a sobrevivência e melhorar a qualidade da vida humana.
A Politica, desde os gregos antigos , sempre ocupou lugar central na reflexão filosófica, uma vez que diz respeito às relações estabelecidas entre os cidadãos, a regulamentação de suas ações e a organização social a partir de regras gerais e específicas. Inclusive, pensar a Política para os gregos é estabelecer uma relação com a Ética e com a Epistemologia, pois havia uma relação direta entre o conhecimento e as condutas na vida privada e pública. O desenvolvimento da cidadania exigia um desenvolvimento do próprio ser humano em sua plenitude. Sócrates, Platão e Aristóteles, além, é claro, dos Sofistas, lançaram as bases para refletir questões fundamentais da filosofia política como justiça, formas de governo, origem do poder e soluções de conflitos.
A partir da Idade Média, a filosofia política se submete à estrutura religiosa cristã e sua hierarquia. Em outras palavras a Idade Média caracterizou-se pela predominância da Divindade na ordenação da coisas terrenas. Essas ordenações foram, inicialmente, extraídas do pensamento de Santo Agostinho que, em A Cidade de Deus, dá-nos a impressão que somente os padres seriam capazes de interpretar a vontade divina acerca da boa administração terrena.
Posteriormente vieram os reis, imbuídos de poder divino, tendo como princípio fundamental a citação do discípulo Paulo: Non est potestas, nisi a deo, que se traduz por “Todo o poder vem de Deus”. Baseando-se numa visão holística, ela reforça a concepção geral de uma ordem divina do mundo, que contribui para a realização de uma ordem civil piramidal e desigual. Dessa forma temos que o poder, na Idade Média, oscilou entre os clérigos e o reis, mas sempre sob o a sombra de Deus, que concede a primazia ao padre ou ao rei e ao povo resta obedecer o seus eleitos.
A partir do século XIV de vemos a formação dos Estados modernos e o fim do feudalismo, que culmina com o enfraquecimento do poder clerical e a centralização política nas mãos dos reis . Os filósofos e políticos dessa época têm como objetivo central persuadir o homem a se libertar do poder transcendental e encarar a Política de modo realista, feita pelo e para o ser humano. O grande nome desse período é Nicolau Maquiavel que foi o pioneiro dessa abordagem maia realista e racional da política. Reflexo de seu tempo e ao mesmo tempo atemporal, Maquiavel trata a política de maneira pragmática e funcional, vinculada aos desejos humanos por poder e submissão dos outros à sua vontade. É possível afirmar que a Ciência Política surge aqui, por deixar de lado fundamentos metafísicos na explicação do fenômeno político.
A Filosofia Moderna, influenciada pela revolução científica e pela retomada do humanismo renascentista passa a refletir sobre a origem do Estado e suas atribuições a partir da garantia e reconhecimento dos direitos doa cidadãos. Assim, os filósofos políticos começam a elaborar as suas teorias — embora controversas — em torno do direito natural e não mais em função da força, do dinheiro ou do poder transcendental. Eles começam a descrever a soberania como uma situação em que há anuência de todo o povo em relação aos seus representantes. Fala-se muito da vontade geral direcionando todos os atos das pessoas para esse tipo de controle político e social. Espinosa, Hobbes, Locke, Rousseau, Kant e outros são os propagadores desta nova dimensão da política e da função do Estado na vida econômica de um país.
A Revolução Francesa em 1789, foi um divisor de águas na dimensão da filosofia política: além das questões do direito natural ou da vontade geral, a atenção focaliza-se na forma de governo e na formação dos cidadãos, nos movimentos e nas paixões das multidões. A filosofia do contrato social passa a dar lugar a uma filosofia política que leve em conta as forças contrárias que percorrem o campo político da história. Esse é o clima reinante no processo histórico entre 1800 e 1900. Os filósofos políticos são obrigados a reformular os conceitos de súdito, cidadão, direito, lei, Estado, Nação etc.
Por intermédio das revoluções, os princípios da autoridade legítima deveriam ser repensados à luz do processo transformador da Era das Revoluções. Hegel, por exemplo, diz que o Estado não é questão de contrato nem questão de simples segurança ou de polícia, mas uma questão de educação, de atitude e comportamento direcionado ao quadro da “sociedade civil”, no sentido de buscar um querer racional de um fim superior. O positivismo de Augusto Comte teve também a sua influência em que pretendia oferecer uma coexistência pacífica entre a ordem dos conservadores e o progresso dos revolucionários: pregava o amor como princípio, a ordem por base e o progresso por fim.
A questão social — a oposição entre ricos e pobres — consubstanciada na luta de classes de Marx também tem presença garantida nas discussões dos filósofos do século XIX. Daí surge o termo socialista, e mais tarde os socialistas utópicos ou românticos, representados por Saint-Simon, Fourier e Proudhon. Estes filósofos pretendiam idealizar um modelo de Estado que pudesse suprir as necessidades da população, promovendo, como consequência, a harmonia e a perfeição de todos os membros da sociedade.
No século XX, principalmente após as duas Grandes Guerras, a filosofia política novamente teve que ser repensada. Totalitarismo de Estado, supressão de direitos essenciais, violência e cerceamento civil são as causas desse processo. A sociedade civil, a partir da década de 60 se mobiliza e torna-se ator político a ser levado em consideração na análise filosófica e sociológica.
Os pensadores contemporâneos expandem os conceitos em direções múltiplas e suas obras exigem pré-conhecimentos diversos e contextualizações. Os principais nomes são os de Hannah Arendt, defensora do Pluralismo, possui trabalhos sobre filosofia existencial e reivindicava uma política livre; Michael Foucault, autor de teorias que relacionam conhecimento ao poder, liberdade e controle social, crítico da modernidade e autor de “Vigiar e Punir” e Habermas que elaborou o conceito de espaço público, em que o Estado democrático moderno padece de vê-lo colonizado pela mídia e pelas outras instâncias de confisco da palavra.
No século XXI a Filosofia Política encontra ligações com a Pós-modernidade e as novas tecnologias, assim, assuntos como, por exemplo, discussões sobre patentes e direitos autorais são revistos em meio ao mundo virtual e surgem debates sobre temas como as relações de poder nas redes sociais ou a ligação de governos, impostos sobre serviços intangíveis, a manutenção e a evolução do capitalismo, os direitos coletivos se sobrepondo aos direitos individuais, a ética da inteligência artificial, etc.
Na próxima semana aprofundaremos as reflexões e contribuições da Filosofia Política grega até Maquiavel. Até lá!
*professor de filosofia e sociologia do Cursinho da Poli