SÃO PAULO – A criação de uma comissão para avaliar as questões do Exame Nacional do Ensino Médio e a “pertinência com a realidade social” foi criticada por educadores. Eles temem que a interferência de pessoas de fora da área de avaliação educacional – nenhum dos três indicados tem experiência nesse campo – possa colocar em risco a qualidade e a segurança. Para eles, cria-se insegurança sobre uma prova que afeta milhões de alunos e distribui centenas de milhares de vagas em universidades públicas e programas como o Universidade para Todos (ProUni) e o Financiamento Educativo (Fies)

Cipriano Luckesi, doutor em avaliação do aprendizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), diz que a construção do banco de itens é complexa e levou muitos anos. “É um problema técnico. Os itens são formados por uma bancada de especialistas de cada uma das áreas. Pessoas sem intimidade têm conhecimento restrito para avaliar a qualidade e a pertinência das questões.”

O especialista em avaliação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Francisco Soares também destaca que a análise dos itens é “um ato profissional”. Soares foi presidente do Inep entre 2014 e 2016 e diz que cada questão já passa por várias etapas de verificação para cumprir os objetivos da prova. “Não estão claros os critérios que serão usados. É uma comissão sem expressão técnica e sem legitimidade acadêmica. Fora isso, não se pode analisar uma questão de Física sem ser professor de Física”, diz.

Ele também lembra que todas as questões do Enem já são verificadas para que não “se ofendam os valores essenciais da democracia”. Por exemplo, ele cita que não se pode ter apologia ao crime. “O Brasil é muito plural, algumas pessoas podem estranhar alguma coisa, mas não dá para ter homogeneidade. Não se ensina uma pessoa dizendo para ela pensar de uma única maneira”, completa, lembrando que a prova acaba por determinar o currículo das escolas de ensino médio do País.

Luckesi diz ter ainda preocupação com a subjetividade da avaliação do que a comissão pode considerar “pertinente com a realidade social’. “Há anos, o Enem traz questões que abordam a igualdade de gênero e o combate à discriminação, como muitos outros países já fazem em suas provas de ingresso à universidade. Será que essas questões serão retiradas?”

Ocimar Alavarse, especialista em avaliação educacional pela Universidade de São Paulo (USP), entende que a criação da comissão fere o protocolo de elaboração do Enem, que vem sendo aperfeiçoado desde a sua criação em 1998. “Há um protocolo para a elaboração de um item, a testagem antes de ser incluído na prova. Desde o início da elaboração, há um procedimento para garantir o sigilo. Os resultados do Enem são usados para a distribuição de bens públicos, que são as vagas em universidades públicas, e isso precisa ser feito com a maior lisura possível”, ressaltou.

Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, diz que a análise das questões por uma comissão que não é formada por especialistas de cada área quebra a lógica técnica que orientava o Enem. “A prova é feita por técnicos capacitados, que estudam cada uma das disciplinas há anos. Com que critérios e embasamento essas três pessoas vão definir o que entra e o que sai?” Para ele a área de Humanidades é a que corre mais risco de interferência e ele teme que conteúdos importantes fiquem de fora após a análise. 

Cotidiano

Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Reinaldo Centoducatte disse que os procedimentos que garantem a qualidade e a segurança da prova vinham sendo aprimorados e espera que não se percam. “Foram anos para ganhar confiança no Enem. Espero que a qualidade não se perca, que questões que avaliam habilidades importantes no aluno que vai ingressar no ensino superior não sejam deixadas de fora. A prova tem de ter amplitude e refletir as situações cotidianas da sociedade brasileira.”

Matéria publicada no ‘Estadão’. Clique aqui para ver a original.

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