Por Elias Feitosa de Amorim Junior*
Martinho Lutero, (1483-1546) um monge da ordem de Santo Agostinho, doutor de teologia pela Universidade de Wittenberg, onde se tornou professor de teologia bíblica, cargo que exerceu até o fim da vida. Através de seus estudos pode constatar a incoerência praticada pela Igreja Católica ao colocar as “boas obras” em posição de maior importância que a fé.
No ano de 1517, Lutero fixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg, seu polêmico texto As 95 teses contra a Igreja, no intuito de chamar a atenção para os inúmeros erros que a Igreja e seus dirigentes estavam cometendo. Mas ao invés de abrir um espaço para o diálogo, as autoridades clericais tentaram impor a retratação imediata de Lutero, o qual negou terminantemente. Afinal, Lutero não se considerava errado, mas sim preocupado com os erros de outros membros do clero.
A recusa da retratação acabou por se transformar numa atitude perigosa, implicando no enfrentamento direto da Igreja Católica e da autoridade do imperador. Em 1520, Lutero foi excomungado pelo papa Leão X (oriundo da poderosa família Médici, e cujo pai, Lourenço Magnífico, havia lhe comprado o título de cardeal aos 13 anos de idade) e queimou publicamente a Bula Papal que continha sua excomunhão. Perseguido pelo imperador e pelo papa, ficou escondido sob a proteção do príncipe da Saxônia e nesse período realizou a tradução do Novo Testamento para o alemão.
Tomando por base Santo Agostinho, Lutero construiu uma doutrina própria, mantendo apenas dois sacramentos (o batismo e a eucaristia), defendeu o uso do alemão nos cultos, a livre interpretação da Bíblia e contestava a transubstanciação (a transformação do pão e vinho em corpo e sangue de Cristo durante a eucaristia) defendendo a consubstanciação (o pão e vinho seriam aceitos simbolicamente, sem mudança de matéria), e nesse momento, Cristo se faria presente, recebendo aquelas oferendas.
O interesse da nobreza em apoiar Lutero era quebrar o domínio da Igreja no seio do Império, já que esta detinha cerca de 30% das terras e, assim, a ruptura com Roma poderia representar o desrespeito à autoridade papal e imperial, favorecendo o confisco de bens e terras da Igreja Católica pela nobreza, fato que esclarece a adesão rápida de parte dos nobres ao pensamento de Lutero.
As ideias luteranas também tomaram corpo entre os camponeses, fomentando várias revoltas camponesas no Sacro Império e impondo um estado de tensão que foi acompanhado de saques e pilhagens, bem como do massacre dos revoltosos. Lutero, no entanto, encontrava-se sob a proteção da nobreza e talvez essa condição tenha induzido seu posicionamento em favor da nobreza e favorável à repressão dos camponeses.
Por volta de 1530, um outro agostiniano, Felipe de Melanchton, expôs integralmente as ideias de Lutero na cidade de Augsburgo, o que foi denominado a Confissão de Augsburgo, doutrina renegada pela nobreza católica.
Lutero não chegou a ver o término da crise religiosa, porque a solução para a questão só ocorreu em 1555 com um acordo entre luteranos e católicos, a Concordata de Augsburgo, na qual se estabeleceu o princípio “cujus regio, ejus religio”, ou seja, “tal príncipe, tal religião”. Dessa maneira os príncipes escolhiam a religião a ser adotada em suas terras e a população deveria acatar.
O luteranismo teve uma maior aceitação na região norte da Alemanha, enquanto o sul permaneceu católico em sua maioria, mas também chegou a outros países como Suécia, Dinamarca e Noruega. Com a emigração para o continente americano, o luteranismo chegou ao Novo Mundo, especialmente na América do Norte. Posteriormente, já no século XIX, atingiu outras regiões do planeta, seja pela imigração, seja pelo missionarismo religioso.
Lutero não poderia imaginar o impacto de seu gesto ao longo tempo, provocando a abertura de um processo que levaria a novas formas de vivência do cristianismo, moldando sociedades e pensamentos: o cristianismo da Reforma. Ao mesmo tempo, ficaria assustado, no século XXI, com os abusos praticados por uma fração dos segmentos do cristianismo quanto às relações espúrias com o poder político e econômico, inclusive, contrariando uma de suas ideias, a defesa do Estado laico.
* Elias Feitosa de Amorim Junior é professor de história, filosofia e sociologia do Cursinho da Poli