Luiz Gonzaga Pinto da Gama (Salvador, 21 de junho de 1830 – São Paulo, 24 de agosto de 1882) foi um notável defensor da abolição da escravidão e sua atuação jurídica libertou mais de 500 negros escravos. É considerado um dos Heróis da Pátria e seus êxitos o elevaram ao status de Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. Foi também um dos maiores jornalistas e poetas de seu tempo, pioneiro ao introduzir a subjetividade negra na literatura.

Nos tribunais, Luiz Gama defendeu ferrenhamente negros que podiam pagar pela carta de alforria, mas eram impedidos pelos donos de escravos. Ele ganhou notoriedade ao defender a tese de que o escravo, ao matar o senhor, agia em legítima defesa.

Poema: Quem Sou Eu?

Quem sou eu? que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra “Ninguém!”
A. E. ZALUAR – Dores e Flores
(…)
O que sou e como penso,
Aqui vai com todo o senso,
Posto que já veja irados
Muitos lorpas enfunados,
Vomitando maldições
Contra as minhas reflexões.
Eu bem sei que sou qual Grilo
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
Desta arenga receosos,
Hão de chamar-me tarelo,
Bode, negro, Mongibelo;
Porém eu, que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.
Se negro sou, ou sou bode,
Pouca importa. O que isto pode?
Bodes há de toda a casta,
Pois que a espécie é muita vasta…
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos ,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios, importantes,
E também alguns tratantes…
Aqui, nesta boa terra,
Marram todos, tudo berra;
Nobres Condes e Duquesas,
Ricas Damas e Marquesas,
Deputados, senadores,
Gentis-homens, vereadores;
Belas Damas emproadas,
De nobreza empantufadas;
Repimpados principotes,
Orgulhosos fidalgotes,
Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais.
Gentes pobres, nobres gentes,
Em todos há meus parentes .
Entre a brava militança
Fulge e brilha alta bodança ;
Guardas, Cabos, Furriéis,
Brigadeiros, Coronéis,
Destemidos Marechais,
Rutilantes Generais,
Capitães de mar e guerra,
Tudo marra, tudo berra
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados,
Que por nós são adorados.
Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos.
O amante de Siringa
Tinha pêlo e má catinga;
O deu Mendes, pelas contas,
Na cabeça tinha pontas;
Jove quando foi menino,
Chupitou leite caprino;
E, segundo o antigo mito,
Também Fauno foi cabrito.
Nos domínios de Plutão,
Guarda um bode o Alcorão;
Nos lundus e nas modinhas
São cantadas as bodinhas:
Pois se todos têm rabicho ,
Para que tanto capricho?
Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
Cesse, pois, a matinada,
Porque tudo é bodarrada

Luiz Gama
Do livro: “Primeiras trovas burlescas de Getulino” (1861), in Trovas burlescas e escritos em prosa. Org. Fernando Góes, Cultura, 1944, SP

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