Luis Gustavo Reis

Recentemente o racismo norte-americano voltou a ser tema na imprensa internacional. Diversos grupos racistas, incluindo a famigerada Ku Klux Klan e grupelhos neonazistas, organizaram uma marcha na pacata cidade de Charlottesville, no estado da Virgínia, sul dos Estados Unidos.

Entoando o slogan “Unir a direita”, o objetivo dos extremistas era protestar contra a iniciativa do governo de retirar uma estátua em homenagem a Robert E. Lee (1807-1870), general do velho Exército Confederado durante os anos da Guerra Civil Americana. Os racistas consideram o general um símbolo histórico do poder branco sulista, já que lutou, ainda que sem êxito, contra os Estados do Norte pela manutenção do sistema escravista nos Estados Unidos.

Manifestantes contrários aos racistas, entre eles Black Lives Matter (vida negras importam) e grupos antifascistas, protestavam contra a marcha até que explodiu o confronto. O saldo do enfrentamento: uma mulher e dois policiais mortos, mais de 34 feridos e diversas pessoas presas. A mulher morreu depois que um carro, dirigido por um dos fascistas, disparou em alta velocidade e foi jogado contra os manifestantes críticos aos grupos racistas.

O movimento de extrema direita norte-americano passa por um momento de retomada de atividade e visibilidade nos últimos tempos, principalmente em função das medidas de raiz xenófoba e nacionalista do presidente Donald Trump.

O repugnante episódio expõe, mais uma vez, uma chaga indelével na sociedade norte-americana. Um país que se vangloria de ter eleito um negro para presidência, ainda que este nunca tenha enfrentado seriamente as mazelas do racismo, está condenado a repetir as mesmas fissuras.

De Washington à Flórida, foram os escravizados que construíram a nação estadunidense, que os desclassificaria de viver plenamente suas cidadanias e empurraria seus descentes para marginalidade.

Nos anos 1960, movimentos organizados por defensores dos direitos civis derrubaram uma das leis mais vergonhosas da história da humanidade: as leis Jim Crow que institucionalizaram a segregação racial e legitimavam o extermínio da população negra em vários estados do sul dos Estados Unidos.

Quem nunca ouviu falar dos enforcamentos massivos de negros no Alabama sem que seus algozes fossem punidos? Quem nunca viu cenas de negros espancados e queimados vivos no Mississippi, enquanto seus carrascos bebiam e fumavam às gargalhadas observando o corpo agonizando?

Essas cenas estão impressas no DNA da sociedade norte-americana, marcas irreversíveis de um passado que jamais deve ser esquecido.

Cansada das afrontas e movida por um gesto heroico, Rosa Parks sentou-se na área reservada aos brancos em um ônibus e recusou-se a levantar quando foi exortada por um branco imperativo. O ato catalisou as reivindicações do movimento negro e obrigou o presidente Lyndon Johnson a revogar a segregação institucional. Era o fim da Jim Crow, mas a permanência do racismo.

Em uma de suas mais belas canções, Mississippi Goddam (Maldito Mississipi), Nina Simone canta:

Filas de grevistas

Boicotes escolares

Eles tentam dizer que é uma conspiração comunista

Tudo que eu quero é a igualdade

Para minha irmã, meu irmão, meu povo e eu

[…]

Apenas me dê a minha igualdade

Todo mundo sabe sobre Mississippi

Todo mundo sabe sobre Alabama

Todo mundo sabe sobre o maldito Mississippi

Passados 53 anos da gravação, as palavras de Nina permanecem atuais. Todo mundo sabe que a igualdade de oportunidades entre negros e brancos norte-americanos está cindida por um abismo. Todo mundo sabe sobre os recentes assassinatos dos jovens negros Freddie Gray (Maryland), Walter Scott (Carolina do Sul), Anthony Hill (Atlanta), Antonio Martin, Michael Brown, Kajieme Powell (Missouri), John Crawford (Ohio), Eric Garner, Kimani Gray (Nova York), Jonathan Ferrell (Carolina do Norte), Trayvon Martin (Flórida), Kendrec McDade, Sean Bell e Amadou Diallo (Califórnia). Todos eles mortos por policiais que permanecem impunes apesar da gravidade de seus atos.

Todo mundo sabe, Nina, sobre o maldito racismo que continua fazendo vítimas e dilacerando sonhos não só no Mississippi, Alabama e Virgínia, mas em todos os Estados Unidos.

*Luis Gustavo Reis é professor de História do Cursinho da Poli

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