No transcorrer do século XX, antropólogos de diferentes escolas de pensamento convergiam no modo de formular uma questão específica.

A questão era: o diagnóstico simplesmente descreve um problema? Ou: em que medida um diagnóstico no lugar de descrever o déficit, simplesmente o instaura?

A repercussão dos resultados, pouco ou nada positivos, que o Brasil tem no âmbito das avaliações de larga escala, ou no âmbito de avaliações internacionais como o PISA, pode ser analisada levando em consideração essa dúvida antropológica.

É possível reconhecer que algumas questões somente ganham nome, medida e perfil se buscadas com as ferramentas da avaliação em larga escala e comparadas com realidades diferentes.

Na década de 1990 ganhou ampla repercussão o debate que se estabeleceu a respeito da presença de muitos jovens mexicanos trabalhando em condições precaríssimas em lixões.

Conhecidos como “pobres descalços” aqueles jovens eram frequentemente mencionados quando eram exigidas políticas educacionais que enfrentassem o drama daquele cotidiano.

Com base em resultados de avaliações em larga escala, proclamava-se que aqueles jovens eram “pobres descalços” porque não tinham educação. A realidade, porém, demonstrou que eles não tinham educação porque eram “pobres descalços”.

Como levar em consideração contradições como essa no momento em que interpretamos nosso desempenho no PISA?

O mesmo conjunto de informações que demonstra que nem sempre desempenho e condições econômicas estão relacionados, demonstra que sem considerar outros aspectos (como o bullying, a satisfação com a vida, o clima escolar, o número de faltas) a análise sobre o desempenho nas provas específicas se distorce.

O mesmo conjunto de informações que contém séries históricas que demonstra que nas situações de ampliação da inclusão social os resultados sofrem impactos negativos, também demonstra que no país que mais efetivamente ampliou os patamares inclusivos de matrículas, que é o Brasil, os índices pelo menos se mantiveram.

Considerando a ambivalência, ou mesmo ambiguidade que pode se estabelecer dependendo do modo como os resultados são recebidos e analisados, qual seria a solução para encontrarmos pistas para um novo caminho educacional, levando em consideração os números do PISA?

Em relação ao desempenho dos estudantes em matemática, por exemplo, há suficiente base histórica para reconhecer que professores reivindicam insistentemente outras unidades de tempo para que o trabalho em sala de aula possa surtir efeito.

Parece simples, mas é crucial. As escolas devem ser desaceleradas. Devem também abrir mão de aspirações enciclopédicas. Isso significa proporcionar mais tempo para fazer “mais do mesmo”.

Como se percebe, uma dimensão fundamental do problema tem sido apontada por professores. Esses, na maioria das vezes, são indicados como “causa do fracasso”, razão pela qual se investe primeiramente em materiais que possam, supostamente, “compensar o despreparo” docente com recursos de base aplicativa.

O professor é parte da solução e antes de pensarmos em ampliar a formação a que faz jus, é necessário reconhecer seu protagonismo no cotidiano escolar.

As escolas de ensino médio que têm melhor estrutura são as dos Institutos Federais. O que seria essa melhor estrutura?

Pode-se constatar: quadro docente estável, ambiente favorável ao ensino e à aprendizagem e tempo estrutural melhor distribuído. Ou seja, as melhores escolas praticam aquilo que os professores das “piores” escolas diagnosticam como necessário.

Portanto, é necessário considerar o PISA como mais um instrumento a reforçar a importância das análises não fragmentadas, tampouco reduzidas ao caráter comparativo que pode distanciar o analista do chão concreto de nossa complexa realidade.

Quando um instrumento de verificação menciona questões tão subjetivas como “clima escolar”, temos a oportunidade de reconhecer que o avanço ou o retrocesso que podem aparecer nos resultados do próximo PISA dependerão da retomada do diálogo com professores.

Se deixarmos de considerá-los como problema, como receptores passivos de estratégias que os desconsideram, teremos números mais favoráveis a festejar, e é essa aposta que deve fortalecer a reivindicações docentes em relação ao PISA: protagonismo com formação; novas unidades de tempo para novos resultados.

Giba Alvarez é Presidente da Fundação PoliSaber, Diretor do Cursinho da Poli e Diretor Executivo da Vigeo Educação.

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