por Kaili Takamori*
Muito se comemorou e ainda se comemora a referência histórica da chegada dos portugueses a esta terra há mais de 500 anos, lá pelos idos de 22 de abril de 1500. Não é de se estranhar a comemoração de tal data, afinal a nossa história foi narrada pelo olhar dos estrangeiros, dos europeus, de modo que se construíram narrativas a respeito de festa e alegria deste primeiro encontro entre eles e os nativos de cá. Contudo, são necessárias algumas observações.

Tudo começou quando, em 1498, finalmente os portugueses atingiram as Índias, fonte das cobiçadas especiarias. Portugal estava em festa. E foi neste clima de euforia e frenesi que o rei ordenou uma nova viagem às Índias, desta vez sob o comando de Pedro Álvares Cabral. Contando com mais de mil homens, divididos em treze embarcações, o capitão partiu de Portugal no dia 9 de março de 1500. Já no início do mês de abril, a frota passava pela linha do Equador e começava a se afastar do continente africano, navegando a oeste, na direção oposta. 

Muito já se discutiu e ainda hoje se discute sobre a intencionalidade ou não da viagem de Cabral. Fato é que seu destino inicial eram as Índias – objetivo que cumpriu, inclusive, após deixar o Brasil –, mas também é fato que, ainda em 1494, portugueses e espanhóis assinaram um tratado que dividia o mundo entre eles, logo seria compreensível a curiosidade portuguesa para saber quais terras e regiões ficariam sob o seu domínio após a assinatura do Tratado de Tordesilhas. Contudo, como diz a sabedoria popular, “nem alhos, nem bugalhos”. Não vamos nos ater a essa discussão que perdura há séculos e vamos nos concentrar na chegada à nova terra. 

No dia 21 de abril, o escrivão oficial da viagem, Pero Vaz de Caminha, já relatava indícios da proximidade de terra firme e não tardou para que conseguissem vislumbrar um morro muito alto, que depois chamariam de Monte Pascoal – pois era a semana de Páscoa. Contudo, foi apenas no dia 22 que houve o desembarque naquela terra até então desconhecida para os navegantes. 

Agora tudo era novo. O que viram ao aportarem, na região que depois ficou conhecida como Porto Seguro, era diferente dos habituais relatos de viajantes e da concepção de mundo que se tinha até então. Houve um verdadeiro choque cultural quando os habitantes locais e os forasteiros viram-se pela primeira vez. Os portugueses estranharam a pele parda, avermelhada, os cabelos muito lisos, mas sem dúvida o que lhes chamou mais a atenção foi a nudez dos locais; assim como os nativos observaram com estranhamento as roupas, as barbas e, provavelmente, o cheiro que exalava dos recém-chegados, afinal estes estavam há meses em alto mar.

Pois bem, retomemos a questão das narrativas acerca da chegada dos lusos por estas bandas de cá. Os portugueses relataram um encontro pacífico, após o estranhamento inicial. Conseguiram fazer os nativos abaixarem seus arcos e até trocaram “presentes”, firmando um laço de amizade entre os dois povos. No entanto, não é dessa forma que os nossos indígenas encaram esse primeiro encontro. 

Em 2000, ano em que se comemoraram os 500 anos da passagem da esquadra de Cabral pelo Brasil, um grupo de índios xavantes e mehinakus escreveu uma carta e a endereçou ao presidente da República. O objetivo era sinalizar que para eles o sentimento não era de comemoração. Nem havia como sê-lo. As violências que se seguiram, após a chegada dos europeus, à população nativa vão das mais sutis até as mais sangrentas, a começar pela tomada da terra. Violências de ordem cultural, física, moral, psicológica e tantas outras formas que não cabem neste espaço. 

Dizem que as estatísticas não mentem e, nesse caso, nos apresentam uma dura realidade. Acredita-se que a população nativa em 1500 girava em torno de 2 milhões ou 5 milhões de habitantes. Hoje, de acordo com o ultimo censo, há cerca de 800 mil índios, o que equivale a bem menos de 0,5% da população total do Brasil. 

Não podemos também cair no tradicional pensamento contrafactual, “ah, então se os portugueses não tivessem…”. Nunca saberemos. O que temos são os fatos: eles chegaram aqui há 518 anos, obrigaram nossos nativos a aceitarem e a aprenderem muito do que lhes foi imposto e, ainda que tenham sofrido influência de alguns poucos hábitos locais, o balanço geral foi muito mais favorável aos estrangeiros.

*professora de história do Cursinho da Poli


Cursinho da Poli

Author Cursinho da Poli

More posts by Cursinho da Poli

Leave a Reply