Por Kaili Takamori
Bebe e celebra! Desata
nas veias da primavera!
Coração, bate a combate!
O peito – bronze de guerra.
(versos finais do poema “Nossa Marcha”, Vladimir Maiakóvski, 1917.)
Há cem anos, no final do inverno russo de 1917, eclodiu a primeira fase de uma revolução que abalou a Europa. Em fevereiro daquele ano as forças mencheviques, uma das alas do Partido Operário Social-Democrata da Rússia (POSDR), derrubaram a dinastia dos Romanov que governava o território com mãos de ferro há séculos.
O que se assistia naquele momento não era fruto de forças afoitas ou um oportunismo situacionista, mas o resultado de um descontentamento maior que pairava sobre o solo russo há décadas.
Às vésperas da Revolução, a população russa era composta de pouco mais de 160 milhões de pessoas, sendo que 87% viviam na zona rural. As condições dos camponeses eram precárias, explorados por uma aristocracia rural e a mercê das constantes alterações da produtividade – dadas as técnicas rudimentares e as adversidades naturais. Embora a economia russa fosse majoritariamente rural, nos meios urbanos despontavam alguns centros fabris e, nestes, as condições do operariado não eram muito melhores: além de condições de trabalho aviltantes e baixos salários, os trabalhadores ainda tinham que driblar o alto custo de vida nas cidades.
A participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) serviu essencialmente para duas questões: evidenciar a discrepância entre esta e as outras nações europeias – aliadas ou não – e endossar o discurso dos opositores ao governo. O coro daqueles que criticavam o czar crescia dia após dia.
O que existia ali era um barril de pólvora prestes a explodir e o POSDR, que se colocava como a grande frente oposicionista, apenas ateou fogo naquele pavio. A primeira fase revolucionária esteve sob o comendo dos mencheviques que, ao tomarem o poder, mantiveram uma postura de maior proximidade com os setores burgueses, de modo que as demandas sociais e as necessidades mais imediatas do povo não foram resolvidas naquele contexto. O descontentamento com o governo provisório só aumentou, em especial, com a manutenção do país na Guerra.
Vladimir Maiakovski (1893-1930) foi um poeta russo, partidário bolchevique – ala marxista do POSDR –, entusiasta e um dos grandes artistas da Revolução. Escreveu ainda no ano de 1917:
Come ananás, mastiga perdiz.
Teu dia está prestes, burguês.
O processo revolucionário viveu o seu segundo momento quando forças bolcheviques, em outubro do mesmo ano, derrubaram o governo provisório estabelecido pelos mencheviques. A aliança com a burguesia, tal como ilustrada pelos versos do poeta, e as mudanças com moderação, não eram bem vistas pelos bolcheviques, que sentiam a necessidade de ações mais imediatas.
O caráter socialista que a Revolução tomou a partir da ascensão dos bolcheviques despertou nas potências europeias o temor de que aquilo se alastrasse pelo continente. O apoio daquelas à ala menchevique desencadeou uma guerra civil, que se arrastou até 1921 com a vitória dos bolcheviques. Findada a Revolução, era o momento de construir uma nação conforme os ditames propostos pela ideologia socialista que permeava os discursos até então.
Com a visão privilegiada que a história nos propicia, cem anos após a eclosão da Revolução Russa, é possível perceber que muito do que se idealizou não aconteceu, muito do que se propôs ocorreu, mas de forma adaptada ou deturpada. Ao historiador ou ao estudante da história não cabe o julgamento, mas sim a análise dos fatos e do processo, a compreensão dos agentes históricos e contextos em que tudo se desenrolou.
O que aconteceu na Rússia alterou a ordem vigente e estabeleceu um novo ordenamento. Por este e outros motivos é inegável a importância da Revolução de 1917 como um dos grandes marcos do século passado, afinal, quantas foram as reais revoluções que vivenciamos ao longo da história?
*Kaili Takamori é professora de História do Cursinho da Poli