Desde muito cedo, quando ainda crianças, escutamos a pergunta: “quem descobriu o Brasil”? Quem nunca ouviu isso pelo menos uma vez na vida? Somos condicionados a associar essa pergunta ao ano de 1500 e a Pedro Álvares Cabral. Mas você saberia dizer o dia e o mês em que Cabral aportou por aqui? Provavelmente não, não é mesmo? E que bom que poucos se lembram! Isso quer dizer que os professores de História, que passaram pela sua vida escolar, não basearam suas aulas em memorizações de datas. Mas hoje é 22 de abril, e não é feriado! E por que não? Quem decide o que é feriado? Os feriados dão visibilidade para certos acontecimentos que entram para “memória coletiva nacional”, já outros, que não possuem feriados, acabam esquecidos pela tal “memória coletiva”. É como se não tivessem existido. Isso produz implicações muito graves. Alguém decide o que vamos esquecer e o que vamos nos lembrar.
O dia que o racismo virou crime inafiançável no Brasil é feriado? E o dia que pela primeira vez uma mulher votou numa eleição brasileira? E o dia em que foi construída a primeira escola, ou universidade no país, é lembrado por algum feriado? Tem feriado para Anhangá? E para Iemanjá? Tem para Virgem Maria? Tem para o Tiradentes? E para o Manuel Faustino dos Reis, que foi esquartejado ao fim da Conjuração Baiana? Tem para o Grito do Ipiranga de Dom Pedro? E para Pedro Alvares Cabral?
A questão aqui, naturalmente, não é demonstrar que Cabral foi injustiçado e esquecido pela história. Mas apontar para o caráter construído da “memória nacional”, que é resultado de disputas, escolhas e interesses políticos poderosos, cujo objetivo é a preservação do “status quo”, das realidades sociais e políticas como estão.
Já que o assunto é a reflexão crítica da produção da memória, me digam: se já havia, pelo menos, 2 milhões de indígenas vivendo nessa terra em 1500, Cabral descobriu o quê? Algo que, ao menos, 2 milhões de pessoas já tinham descoberto? E com relação à palavra Brasil. Já havia Brasil? Povo brasileiro? Estado nacional brasileiro? Fronteiras delimitadas?
História se faz com perguntas, análise e reflexão. A data é só um ponto de partida! Bons estudos!
Professor Fernando Rodrigues.
Cadeira de História do Cursinho da Poli.