Os participantes da segunda fase da Fuvest 2018, que teve início neste domingo (7), tiveram que escrever uma redação sobre os supostos limites para arte. A proposta para o texto trazia reportagem da Folha sobre a polêmica com a exposição Queermuseu, em Porto Alegre, cancelada em setembro de 2017 após protestos conservadores e religiosos.
A exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, promovida pelo Santander Cultural na capital gaúcha, contava com 270 obras que tratavam de questões de gênero e sexualidade.
Os organizadores cancelaram a mostra um mês antes do previsto por causa de ataques, sobretudo na internet. Grupos acusavam as obras de apologia à pedofilia, profanação, entre outras coisas. Por outro lado, artistas e militantes se posicionaram contrários ao cancelamento, que configuraria cerceamento à liberdade artística.
Os candidatos que buscam uma vaga na USP (Universidade de São Paulo) precisaram escrever um texto a partir da pergunta: “Devem existir limites para a arte?”. Além de reportagem sobre o cancelamento da exposição, a prova trazia a nota oficial do Santander Cultural sobre o cancelamento.
A proposta ainda mencionou a obra Bandeira Branca, do artista Nuno Ramos, que, em 2010, confinou três urubus no vão central da Bienal. Após protestos de coletivos que lutam pelo respeito aos animais, a Justiça chegou a determinar a retirada dos animais. Também houve a menção a outros textos sobre a mesma temática.
É uma novidade para a Fuvest a escolha de um tema polêmico e recente como proposta de redação, pelo menos levando em conta provas dos últimos 20 anos. Tem sido mais comum a abordagens de temáticas filosóficas, sem indicações diretas a fatos recentes.
O professor de português e literatura Claudio Caus, do Cursinho da Poli, diz que a proposta facilitou a vida de estudantes, pela repercussão, mas a polêmica pode guardar armadilhas. “Poderia trazer um excesso de confiança para quem já tem posições prontas ou quadradas”, diz. “O seguro seria a busca de um caminho mais equilibrado.”
Maria Aparecida Custódio lembra que seria um risco escrever só sobre a exposição. “A Fuvest convida o candidato a tecer reflexões universais, para conhecer o repertório dele.”
A fundação que organiza o vestibular exige que a redação seja uma dissertação de caráter argumentativo. O candidato deve sustentar um ponto de vista sobre o tema.
Neste domingo, a Fuvest aplicou a a redação e também dez itens de português. “A parte de português, com questões mais críticas do que conteudistas, não pareceu tão difícil quanto a prova da primeira fase”, diz Caus, do Cursinho da Poli.
Célio Tasinafo elogiou a qualidade do bloco de português e a diversidade de tipos textuais. “Teve textos historiográfico, acadêmico, propaganda, teve um texto filosófico do Montaigne [1533-1592]. Isso tudo resulta em uma prova trabalhosa em alguns sentidos”, diz. “Exige do aluno o domínio de vocabulário e da norma culta, além de uma capacidade significativa de redação em todas as questões. Não bastava saber, o aluno deveria organizar muito bem as ideias.”
Na segunda-feira (8), serão 16 questões sobre as disciplinas comuns do ensino médio: história, geografia, matemática, física, química, biologia e inglês.
A última prova, na terça (9), trará 12 questões de duas ou três disciplinas relacionadas diretamente à carreira escolhida pelo vestibulando. Todas as provas da segunda fase são constituída por questões discursivas –ao contrário da primeira parte, que trazia itens de múltipla escolha.
Foram convocados para a segunda fase 19.690 candidatos, que disputam 8.402 vagas para a USP. Outros 2.100 participantes fazem a prova como treineiros, por ainda não terem concluído o ensino médio em 2017.
Do total de convocados, 1.689 não compareceram. O que representa um índice de abstenção de 7,75%.
Outras 2.745 vagas da USP serão preenchidas pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada), a partir da nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). No total, a universidade oferece 11.147 vagas em 2018.
As inscrições para o Sisu abrem em 29 de janeiro. O resultado da primeira chamada da Fuvest ocorrerá no dia 2 de fevereiro.
COTAS
A partir deste ano, passa a valer o sistema de cotas. Do total, 37% das vagas de cada unidade deverão ser preenchidas por alunos de escola pública, com percentual mínimo de alunos pretos, pardos e indígenas.
Os índices deverão ser alcançados por meio dos dois sistemas de ingresso (Fuvest e Sisu), embora este último já reserve na inscrição um número fixo de vagas. A quantidade de vagas para cotistas vai aumentar gradualmente até atingir, em 2021, 50% do total em cada curso e turno.
A universidade vinha sofrendo uma forte pressão de setores da sociedade para aumentar a inclusão entre os alunos, sobretudo depois da aprovação da Lei de Cotas para as instituições federais de ensino superior.
Enquanto mais de 80% dos alunos de ensino médio estão em escolas públicas em São Paulo, a USP registrou no último ano 37% de ingressantes da rede. Esse índice não se repete em cursos tradicionais e concorridos, como medicina e engenharia.
A implementação de cotas foi definida em meados de 2017 e, segundo a reitoria, a adoção progressiva até 2021 foi necessária para que haja disponibilidade de recursos de permanência estudantil. A expectativa é que, com alunos oriundos de escolas públicas, aumente a demanda por bolsas como a de moradia e alimentação.
Desde 2014 a USP enfrenta uma crise financeira. A folha de pagamento tem comprometido praticamente a totalidade dos repasses recebido pelo governo do Estado. Dos R$ 4,6 bilhões recebidos pela estadual neste ano, 96,4% foram gastos com salários.
Ao longo da gestão do reitor Marco Antonio Zago, que se encerra neste mês, foram realizados planos de demissão voluntárias e contratações foram congeladas. O vice de Zago, professor Vahan Agopyan, assume a reitoria a partir deste mês, após vencer eleição interna e ser nomeado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Reportagem da Folha de S. Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/01/1948662-redacao-da-fuvest-aborda-recentes-polemicas-sobre-os-limites-da-arte.shtml