Duas décadas depois que o então presidente Fernando Henrique Cardoso ter decretado que a Era Vargas havia terminado, o governo federal ainda está propondo uma reforma trabalhista para mudar pontos fundamentais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) promulgada por Getúlio Vargas em 1943. Mas quem foi essa figura cujo legado perdura até hoje e que é, simultaneamente, amado e odiado como nenhum outro político da República.
Getúlio Dornelles Vargas chega ao poder em outubro de 1930, por meio de uma revolução civil-militar que derrubou a “República Velha”, regime oligárquico dominado pela oligarquia agrário-exportadora paulista. A ele se unem as oligarquias regionais inconformadas com a hegemonia dos cafeicultores paulistas na política nacional e expoentes do movimento tenentista, que desde 1922 vinham tentando derrubar o governo.
Embora tenha tido fases distintas, o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) se caracteriza pela centralização do Estado, pela política de industrialização por substituição de importações e pela construção de um pacto social entre o Estado, a burguesia industrial e os trabalhadores. Tais políticas são aprofundadas com a instalação do Estado Novo, em 1937, quando, com o apoio dos militares, Getúlio fecha o Congresso e implanta uma ditadura, a pretexto de combater o comunismo.
O chamado “pacto populista” traz a CLT, com direitos trabalhistas como limitação da jornada de trabalho, salário mínimo e férias. Mas traz também o controle dos sindicatos pelo Estado, via imposto sindical. E, para manter a aliança com as oligarquias agrárias regionais, a legislação trabalhista fica restrita aos trabalhadores urbanos.
No plano interno, as concessões aos trabalhadores combinam com a brutal repressão aos opositores de qualquer coloração, censura e culto à personalidade do ditador. No plano externo, Getúlio explora habilmente a animosidade entre os Estados Unidos e a Alemanha nazista para obter créditos para a construção da primeira siderúrgica, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Com o alinhamento do Brasil a Washington e a declaração de guerra à Alemanha, o Brasil se torna o único país latino-americano a enviar tropas para combater o nazifascismo na Itália.
Os ventos começam a mudar com a derrota da Alemanha, em 1945. Manifestações pela democratização crescem no país e Getúlio tenta mobilizar os trabalhadores e sindicatos para se manter no poder. Os comunistas, duramente perseguidos pela ditadura, apoiam a palavra de ordem “Constituinte com Getúlio”. Esse movimento espanta um dos pés do tripé populista – a burguesia industrial. Com isso, os mesmos militares que apoiaram Getúlio em 1937 o apeiam do poder em outubro de 1945.
De volta à presidência em 1950, desta vez em eleições diretas, Getúlio aprofunda ainda mais o modelo nacional-desenvolvimentista. Ele cria a lei antitruste, o Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, depois BNDES). Em 1953 é aprovado o monopólio estatal do petróleo, com a criação da Petrobrás. Mas o reforço da aliança do governo com os sindicatos alimenta nos setores conservadores o temor da instalação de uma “república sindicalista” nos moldes da Argentina peronista.
A direita, civil e militar, conspira abertamente. A frustrada tentativa de assassinar o líder da oposição Carlos Lacerda, levada a cabo pelo chefe da guarda pessoal do presidente, dá-lhes o pretexto para exigir a renúncia de Getúlio. Para não ser novamente deposto, o presidente se suicida na manhã de 24 de agosto de 1954. O gesto dramático adia por dez anos o projeto da direita de conquistar o poder. Em 1964, a aliança antigetulista derruba o presidente João Goulart, herdeiro de Getúlio Vargas.